Meninos pobres da Vila Maria Alta
Vela acessa em cima da cômoda...
Poderia ser em oração, uma benção, uma luz de respeito e
fé... Mas o sentido primordial da vela era Iluminar o barraco. E nesse sentido material de entremeio entre claridade e a escuridão, a
vela era apenas vida: era penumbra . E
causava o mesmo incômodo da cama que não deixava dormir... Meia adaptação de peças antigas e um resto de
colchão que, aos poucos, também se deformavam como cera sob
o travesseiro para se ter o falso
efeito de que provemos de algum
conforto com coisas que, de fato, não são.. Nem luz, nem maciez, nem
esperança, nem sonho leve.
Deitava-me a observar o tremular
das sombras que a própria chama projetava
e como se fosse cinema, eu
imaginava cenas...
Não fosse isso tudo a interferir
com a noite, o barulho distante das
famílias felizes, também não me deixaria
dormir tanto quanto o ranger do estrado.
Barulho das mesas fartas -
pensava. Barulho de tantas pessoas em outras casas tentando disfarçar que, na
verdade, o Natal é triste.
Sabem disso aqueles que andam
pela madrugada, observando o movimento das coisas... Sabem que todo ruído
esconde um terror.
Se reparar bem notará que a noite
é triste. Que a madrugada é triste. Que a música do Natal é triste. Apesar de a
letra da música falar de boas coisas, a entonação que se dá tende ao triste e, no seu íntimo, as pessoas são
tristes. São penumbras.
Alegrias verdadeiras somente
brilham nas crianças, quando os olhos se
acendem por reflexo de vida ou por vidas outras criadas
por elas. Crianças facilmente imaginam e
se encantam porque ainda crêem
na “Noite Feliz”, como se a
partir dela, a chama virasse de uma vela
multiplicasse em candelabros, e de um brinquedo se construísse melhores
destinos.
Um carrinho feito com uma lata
velha de sardinha, tampinhas de cerveja e arame... Pronto, já tenho um carro! Uma boneca de espiga de milho, outra feita de
retalhos coloridos e tendo com quem falar de amizade, carinho e companheirismo,
poderia as bonecas, dormir junto no colchão de palha e travesseiro de paina. Poderia
dormir abraçando a boneca, como se abraçasse a mãe. Um cavalinho feito de madeira que o avô montou
especialmente para aquele dia e galopava com meu pai por campos sem fim.
“Cavalinho de pau, amigo de tantas aventuras e alegrias.” Só quando somos
crianças conseguimos despertar certas magias...
Natal deve ser o nascimento de
mais esperança, família junto e paz. Velas de amor acesas no coração. Mãos
dadas entre irmãos, palavras brandas, uma ceia para se dizer “ Graças! “
Mas nem todos os barracos são assim. Enquanto
sigo andando pelas ruas, vejo na penumbra que não existem mesas postas em ofertório
comum. Ouço o som vozes em celebração de
união, mas o coral de velhinhos no shopping Center ou do Metrô não encanta mais.
As luzes coloridas de tantas as árvores
a decorar as ruas da cidade não brilham mais que uma pequena vela acessa em um
barraco. Mas mesmo assim é Natal. Porque
uma criança nasceu, e chorou igual a todas as outras, e quando a luz se
apagou, ele brilhou mais que o sol e as estrelas, e sem penumbras, disse nitidamente a única palavra que ainda
nos falta dizermos: Amai-vos uns aos
outros.
*
De Magela e Carmem Elias